Honra ou loucura

Possuo desgraçadamente a ciência do mundo!...
Vejo com pena o amor virar para o pano imundo
orgulhoso demais para transigir com a maneira
pelo menos no comportar da ética - traiçoeira
infame e desairosa, como nele as coisas se aceitam
se esboroam no lavrado e; nas mesmas se reeditam
Durante o tempo que vivi no meio da sociedade
acumulando risos de mentira e; choros de verdade.

Quando caminhei pelo mais intimo dela, e; lhe apalpei os segredos das torpezas e das infâmias. Vi muita esposa desonesta e infiel, e; muito marido paciente e resignado. Vi outras ainda mais vis, e; ainda mais torpes.

Corridas nas ruas e nas praças, pelos brados queixosos
com braços gesticulando propósitos teimosos
O enfurecimento dos próprios maridos
escarlates de vergonha, nos olhos incorridos
e depois aceites de novo pelos braços deles
lenhos apodrecidos, de amarelecidas peles
que julgavam satisfeita, a honra por aquele alarido
salvando por um tempo a união. Do mortal aluído

A desonra afogada pelas lágrimas do arrependimento, ou pela negação tenaz e inabalável do cinismo, desfasado e sereno, que se lhes afigurava inocência ofendida!
Vi muitas mulheres solteiras fingirem o amor, a troco de conquistarem o rico, que as pudesse enfeitar de veludos e diamantes. Muitas venderam a honra para segurarem um noivo. Outras, ainda mais torpes, a troco de uma jóia, que o capricho lhes avultava superior a todas as considerações deste mundo!

Vi destas torpezas
sem fingimentos, cruas certezas
Palpei estas, e; outras chagas iguais
até ao esgotamento, não poder mais.
O asco e infâmia, vi essas mulheres serem conduzidas ao altar
com um desprezo do amor, de pasmar
e a inocência resplandecente no rosto
contentes do social composto

A serenidade nos olhos, e; talvez que no coração. As mulheres vi-as assim, e; vi os homens também aceitá-las.
Aparecerem depois ao lado delas, de fronte levantada e altiva, como se neles a infâmia não tivesse estampado uma nódoa indelével!

O século actual é assim. As suas virtudes essenciais, são oiro e cinismo.
Fintas de recuo, falsas cólicas de felicidade, tudo menos altruísmo
tudo o bastante para disfarçar a infâmia, e; afrontar com olhos insurgentes,
e; rostos bastardos, extraídos de intelectos de combinações doentes,
o sorriso escarnecido daqueles mesmos que, admirável contradição,
concorrem para o crédito daquilo que consideram, miserável acção.
Lhe apertam a mão com glória, e; vivem como ele a prática impura
secular comportamento, que nos questiona. Honra ou loucura?!...

- poéfilo -

Fernando Oliveira

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