Atina & Jacinto

Jacinto

Corre-me na espinha um desejo de beijo ardente
Uma caricia de atordoar a mais santa filha dos céus
Já não posso esperar mais, portanto não sou carente
Mas, não posso ver-te, Atina, com esses véus

De cor de fogo, são eles, como a boca do inferno
Trapos, que desejo infamar, que se lixe o pecado
Tenho no peito o lápis, no baixo ventre o caderno
Para que escrevas em mim, o mais antigo ditado

Deitado, esperto, como uma página de jornal
De ponta a ponta, me codifico, leio-me todo
Viro-me e reviro-me, como o jacaré no pantanal
Que dardeja olhares gordos, para o ponto de engodo

Atina

Visto-me com o perfume da mulher mais ovelha
E de nuvens vermelhas, que me fazem parecer nua
Possuo na ilhota, uma tórrida centelha
Estou bêbada, vem para mim, sou tua

Apagar o brasido que alastra, à tua beira
Abraçar-me, como Júpiter o fez a June
Faz-me saltar, como a castanha na fogueira
Serei a mais húmida e doce fonte de cerume

Que vontade tenho de ler a tua geografia
Arpoar o inchaço da tua oferecida profusão
São loucos os meus olhos, a minha gravidez já chia
Anda ver amor, dá-me a tua mão

Jacinto & Atina

Atina, bamboleia os assentos rosados, como duas luas de agosto
Jacinto, esquematiza o enfreio, dum sol liquido de maio
Atina as cócegas, que se intercalam no meio do gosto
Jacinto, coordena a música petulante, até ao desmaio

É dia de ensaio, e a orquestração combina
Dança-se um tango, com um passo a mais, que é quinto
Enlaça-se a enseada da parceira, que aqui é, Atina
Que bate palmas, quando diz ao seu amor, Jacinto!...

Estouram foguetes estrelados, nos olhos da menina
Que se esvaziam nos outros, e dizem, não minto
O jegue, olha a boca brasa, e beija os lábios d’Atina
E esta, rapina a tentação, do açucarado Jacinto

Remate

Envie-se por cima dos ombros a moral repressiva, às ortigas
O sexo é o sal que tempera o repasto dual
Queime-se o fado longínquo, para dar lugar a cantigas
Risque-se do calendário os dias que não sejam carnaval

Arrisque-se, como a pomba branca, que se abeira do gaio
Com um ensejo que transborda, além do passo sereno
Rabeando as penas tontas, num arruar sem retraio
Nada é mais genuíno que o amor, louro, ruivo ou moreno

Afirme-se na colheita, antes que a raiz enfraqueça
Entre o ovo e a galinha, existe uma senda de sanções
Uma estória de bichos, que não tem pés nem cabeça
Masmorreira dos corpos desejosos de paixões

Fernando Oliveira

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