Embaio

O sermão da véspera exonerou a vaca
do seu apregoo matinal.

A aldeia nada estranhou.

Foi o gato que pendurado no rabo do boi
amanheceu o povo;
e temperou a quimera da ordenha.

As selhas desordenaram-se no barulho do atropelo
e desmaiaram na palha velha.

O boi que dorme ainda...
não sabe que o calor da enxerga
se exilou há muito
para a floresta dos deuses do horrendo.

- Só tem patas de labor e sono,
o pobre não sabe do engano da aurora. -

Ouvem-se vozes na clareira
que corroem e arrematam
a causa do bicho sagrado!

... torrem-na na fogueira
esquartejem-na em bocados
facultem-nos uma parte do pecado...

De preto e branco e até amarela,
a vaca ficou castanha, assada.

Na praça da aldeia alguém gritou...
Parem. Parem. Parem por amor do boi...

Queimaram a vaca errada!...

Fernando Oliveira

2 comentários:

angela disse...

AH CÉUS Queimaram a vaca errada! T agora de que adianta parar?
Delicia de poema.
anraços

fernando oliveira disse...

é, acontece muitas vezes, este texto metafórico é aplicavel à história da humanidade, a vaca não é que um suporte alegórico.

obrigado

abraços