tag:blogger.com,1999:blog-30527718631236673652024-02-07T08:03:17.514-08:00Folha - I - Assinatura: Fernando OliveiraFernando Oliveira
“ entre a obediência e a imposição
existe um espaço de liberdade,
é lá que eu moro “
feroolfernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.comBlogger49125tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-63309144114606311412012-05-05T23:29:00.000-07:002012-04-05T09:05:03.815-07:00Entre o sol e a lua - o insofismável dualismoCaiu tanto sol na terra<br />
caiu tanto fogo no mar<br />
que este se evaporou<br />
e aquela se rasgou.<br />
E os rios ficaram córregos<br />
e os córregos ficaram canadas de saudade<br />
e as rias fugiram da praia<br />
e os navegantes cultivaram o campo<br />
procurando a cópia do mar<br />
que tinha desertado o vale.<br />
<br />
Depois o sol desmaiou<br />
e foi a vez da lua aparecer<br />
matreira e gordinha <br />
compassiva e chorona. <br />
<br />
Gemeu tanto<br />
que encheu o céu com um cueiro de novidades aflitas<br />
que caíram nas raízes secas<br />
que acordaram as folhas mortas<br />
que pingaram na terra morna.<br />
<br />
E as gretas da terra se fecharam<br />
os rios de novo cantaram<br />
e o mar de novo cresceu.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-36669563085037864702010-04-24T21:01:00.001-07:002010-04-24T21:01:29.893-07:00O presente é dia de descansoO passado não pode ser descurado<br />
Não para nele viver - é passado<br />
Mas para procurar as linhas do futuro<br />
E tecer cordas que nos façam galgar o muro.<br />
<br />
As dívidas são todas do passado<br />
Os lucros são todos do futuro.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-13101101648464517302010-04-10T22:32:00.000-07:002010-04-10T22:32:27.960-07:00Tela que ainda não pinteiTodas as rosas não eram mais rosas que a tua face<br />
Todos os lírios não eram mais amenos que a tua íris<br />
Todas as árvores não eram mais garbosas que as tuas pernas<br />
E as montanhas asseadas não igualavam os teu seios.<br />
<br />
Nunca te penteaste <br />
Deixavas que o mar o fizesse<br />
Nem te lavavas <br />
Deixavas que o rio te afogasse<br />
Num rito acróstico que a corrente ameigava<br />
Dos cabelos flor-de-viúva <br />
Até às unhas dos pés.<br />
<br />
Todos os adjectivos pintavam o teu retrato<br />
E os seixos que cursavam o teu rumo <br />
Contavam o macio de passos descalços<br />
Aquele andar entre o perro e a andorinha<br />
Na mata onde ninguém descansa.<br />
<br />
Descansaste na rama cheia de pinha <br />
Eras pomba mansa e fêmea brava<br />
Agora nem sequer és semente. <br />
<br />
Disse-te um dia que não morresses<br />
Antes de chegares à foz<br />
Tão perto estavas da nascente<br />
Tão bem estavas entre nós.<br />
<br />
E agora teimosa e insolente criatura <br />
Mudo esqueleto num campo com cintura<br />
Todos te choram e eu não choro<br />
Já disse adeus a muita gente<br />
Mas a ti nunca direi.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-56111864939263955932010-04-09T00:53:00.001-07:002010-04-09T00:53:27.462-07:00Entre as fraldas e o sudárioÉ agora que o grito soa<br />
que a imagem para a saudade voa.<br />
<br />
Correm lágrimas do berço para o cemitério<br />
cessou o mistério.<br />
<br />
Era antes um ser alguém<br />
um rico déspota um Zé ninguém.<br />
<br />
Uma pomba branca um chasco azougado<br />
um mestiço fragoso que agora deitado.<br />
<br />
Moureja a terra sem ar e sem luz<br />
germina o esqueleto que não mais seduz.<br />
<br />
E o grito maltratado que agora morna<br />
jaz na saudade a única forma.<br />
<br />
De abafar o mio da caducidade<br />
o homem não faz falta à cidade.<br />
<br />
Relatam os sábios que ele é pinga<br />
como a chuva que cessa e respinga.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-82366585229994218882010-04-08T23:16:00.000-07:002010-04-08T23:16:03.298-07:00A vós me confessoVós ais que me arrasais<br />
no ouvido que já não tenho<br />
porque já sou lenho<br />
não glosais.<br />
<br />
Venho de outros climas<br />
de caretas de Carnavais<br />
onde risos eram frimas<br />
e os sítios arraiais.<br />
<br />
Nesse tempo era audaz<br />
como a água do regato<br />
diziam que bom rapaz<br />
no gesto e bom retrato<br />
<br />
E nunca falhava um facto <br />
ribeirinho com sinais<br />
no templo bisava o acto<br />
no campo moldava ais.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-72497633270173320862010-04-08T21:19:00.001-07:002010-04-08T21:19:49.155-07:00Depois mais nadaMorto nos beiços que não são lábios<br />
era um beijo frio como o sargaço<br />
longínquo como o erro dos sábios<br />
circunspecto como a queima do aço.<br />
<br />
Era um convir acoito que o véu obriga<br />
pedaço de nada com resto de haveres<br />
abraço tão lasso que a mão castiga<br />
corpos divisos na folha de deveres.<br />
<br />
Era haja que não havia no momento<br />
engenho esquecido no matagal da sorte<br />
conjuntura deposta na soma do tempo<br />
selo de carinho com vestígio de morte. <br />
<br />
Morto nos olhos que ninguém visita<br />
o resigno duma alma e mais uma<br />
duas sem uma e nenhuma que grita<br />
um beijo de dor que suprime a suma. <br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-56278049275502984892010-04-07T22:37:00.001-07:002010-04-07T22:37:27.539-07:00Nas trevas o voo é contingenteÉ tarde...<br />
<br />
As luzes já dormem e o incauto<br />
no fundo do bosque<br />
desorientado e vencido<br />
murcha no ar. <br />
<br />
As ervas assobiam o nome<br />
que dele voa como o vento do baptismo.<br />
<br />
Enquanto as luzes continuam mortas<br />
nutre-se da escuridão<br />
dum paredão de barro<br />
que o encerra<br />
o curva <br />
e o colhe<br />
como um floreio<br />
desterrado<br />
no poço dum sol extinto.<br />
<br />
Talvez não...<br />
<br />
A aflição chegou ao âmago das flores silvestres<br />
aflitas do soo da loucura.<br />
Nos últimos instantes da negrura<br />
reúnem-se na rossio da aurora.<br />
<br />
Chorando todo o bálsamo no corpo gasto<br />
lágrimas florentinas e alvorada <br />
que fazem renascer o abelhão. <br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-8929451772901942192010-03-31T19:51:00.001-07:002010-03-31T19:51:22.027-07:00A caneta não é minha é tuaNa escrita muita gente estrebucha<br />
Alguns suam para subir a ladeira<br />
E meia dúzia se instala no cume<br />
<br />
Alguns utilizam uma doce chucha <br />
Outros trabalham por brincadeira<br />
E os demais adormecem no ciúme<br />
<br />
Entre a estrebucharia e a falcatrua<br />
Existem dois dedos de rivalidade<br />
Aqueles que folheiam o chumaço <br />
<br />
De obras doutros que queriam sua<br />
Expostas nas livrarias da cidade<br />
Esbatidas na luz morta de cansaço<br />
<br />
Se a escrita corre antes que se desfaça<br />
Entre o estrebucho e a ensoberbeceria<br />
Levanta-te e anda escreve com raça<br />
<br />
É na dificuldade que a letra engraça<br />
Na pluma do doutor ou da tia Maria<br />
Se houver lume haverá sempre fumaça.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-64245205763503155482010-03-28T19:10:00.000-07:002010-03-28T19:10:22.229-07:00Só a mão nutre a vidaDizem que é a mão que tem pena<br />
pois é adornada de cútis perita.<br />
Que a energia é apenas a cena<br />
dum volume que cala ou grita.<br />
<br />
E que quando o coração desmaia<br />
a mão apalpa para segurar a guita.<br />
Da novela para que não caia<br />
no poço da inteligência aflita.<br />
<br />
Dizem que é mão que fecha a brochura<br />
quando o pulmão não mais lê o ar.<br />
Que agarra o pulso e diz com secura<br />
é tempo de ir sossegar.<br />
<br />
Dizem que o cérebro nada tem a pensar<br />
ele só concebe porque a mão manobra.<br />
E se esta não tem mais trecho a folhear<br />
fecha o cartório onde acaba a obra.<br />
<br />
Que pena reina na nossa mão<br />
que afaga o peito e o cesto da memória.<br />
Pedindo aos dois a concessão<br />
de morrer logo que acabe a estória.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-84995567779748290362010-03-02T14:52:00.000-08:002010-03-02T14:55:24.591-08:00A maldita Barca de Caronte<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYOCZ4NH4kIMg5LOIKyIIiL2RU-9rbcT_Ug4yhbsbfGspD3LzBdxDQ1pSatx30qhDeaZdCYYjoiqO0NmEOdwt2x3SXtTNnfhULQIuRojSJ2wrjGwM19z8ul0V5nn_8c9CP7ztN_RMtct0/s1600-h/BarcaCaronte.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" kt="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYOCZ4NH4kIMg5LOIKyIIiL2RU-9rbcT_Ug4yhbsbfGspD3LzBdxDQ1pSatx30qhDeaZdCYYjoiqO0NmEOdwt2x3SXtTNnfhULQIuRojSJ2wrjGwM19z8ul0V5nn_8c9CP7ztN_RMtct0/s320/BarcaCaronte.jpg" width="316" /></a></div><br />
Quando o homem navega com os olhos classificados<br />
E abandona a fonte para arrumar a norma do patriotismo<br />
Quando ele exerce a razão do conjunto e morre sozinho<br />
A morte é só dele. Os outros que se cuidem e defendam <br />
Haverá sempre uma intriga na estrada por mais lisa que seja.<br />
<br />
Uma ira do caos que lhes entra no tímpano até mais não ouvirem.<br />
<br />
Era aquela barquinha velha com panos gentis de genealogia <br />
Que flutuava em riachos de água instintiva com sotaques de rã<br />
Na aldeia fresca e severa com arraiais de frialdade no caminho<br />
Na urbe recenseada com vestígios mas nenhum de armistício.<br />
<br />
O jovem amava-se como um Eneias de virgem heroicidade. <br />
<br />
No exílio de frente calorenta além tão além que a vida se caduca<br />
Num cálice de liquido vermelho servido como última imagem<br />
Cessam os brados de valentia e no passaporte aparece o nome antigo<br />
Finou-se a juventude antes do colossal abraço de antologia.<br />
<br />
Oh barqueiro incorrecto monetário e traiçoeiro. Oh pátria sem luz<br />
Que rio me deste. Tanta alegria tinha no meu fóssil córrego<br />
Oh guia maldito que velejas a minha última dor até á foz do inferno<br />
Rio de desventura que te fez eu para me subtraíres o espírito. <br />
<br />
Viajarei contigo asqueroso Caronte. Deixa-me saudar os amigos<br />
Levas-me para o infortúnio nestas águas infaustas e bárbaras <br />
Não vejo mais margens barqueiro nem folhas mortas do Outono<br />
Não tenho rumo mas ainda sinto o cheiro do pranto do Vesúvio<br />
Depõe-me nos seus pés e te trai Sibila te dará o ramo de ouro.<br />
<br />
Caronte ouvia os protestos do mancebo com roupa de cruzada<br />
De beiços tão graves e boca tão gentil como a neve do Olimpo <br />
Perdeu a vigilância e derivou até encalhar numa ilha inocente<br />
E nunca mais voltou a transportar indefinidos mortos ilegítimos<br />
Segundo a lenda ainda vive resgatando vitimas de guerras ilegais.<br />
<br />
Fernando Oliveira<br />
<br />
Tela do pintor Júlio Santos, realizada para o poema.fernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-18615448921541284832010-02-28T19:40:00.001-08:002010-02-28T19:40:46.901-08:00Quando as musas me dão a mãoAs musas eu as colho num campo tão vasto<br />
Que a minha ideia não tem juízo da dimensão<br />
É a graça que orna o penteado duma donzela<br />
Um peito tão belo que nem precisa de coração<br />
Um rosto cândido por detrás duma tímida janela<br />
Ou uma criança foliando com o gado no pasto.<br />
<br />
E se a amável Herato desenha uma bela cena<br />
Com a pequena lira onde Caliope capta a voz<br />
Não escondo que me inspiro da luz que chiava<br />
Nas vielas que admitiam o canto dos meus avós<br />
Clio com o pulmão aberto soprava e declamava<br />
E a cidade era tão bêbeda provocante e morena<br />
<br />
Que Terpsícore com a sua dança estonteante<br />
Rodopiando até ao cais da volúpia – Euterpe<br />
Flauteando comovida com a minha erudição<br />
Melpomene descendo comigo vestida de crepe<br />
Até ao rio onde todas as musas me davam a mão<br />
Tália germinava flores Polímnia era cantante. <br />
<br />
Urânia levou-me para a excelsa inspiração.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-89654153568392209872010-02-24T21:02:00.000-08:002010-02-24T21:24:31.932-08:00Conjunções<div align="left" class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf8UQSwnSWUBIzBAg1lqhPk-HvUZLMpfF3oa-9TQ5C2e4dZriloVXY2DmwqE0KPeOU4nvg7VMJG59N3T9_LGLAspkkQNX2pqmIeiCXzejfPeaV2Cb2acbudlE_kovWYydiG4hp8LvKKL8/s1600-h/cav.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="150" kt="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf8UQSwnSWUBIzBAg1lqhPk-HvUZLMpfF3oa-9TQ5C2e4dZriloVXY2DmwqE0KPeOU4nvg7VMJG59N3T9_LGLAspkkQNX2pqmIeiCXzejfPeaV2Cb2acbudlE_kovWYydiG4hp8LvKKL8/s200/cav.jpg" width="200" /></a></div><br />
A mão é um indiviso excelso<br />
conveniente <br />
e talvez ingénuo<br />
que manipula até o fim dos dedos<br />
as cores da manifestação<br />
na primeira ocorrência do parto.<br />
<br />
Um tempo extraído do intuito abortado<br />
nos riscos dum arquitecto.<br />
no planalto do esquema. <br />
<br />
O tecelão<br />
espreme o ovo-sol que vai pigmentar a água fóssil<br />
dando-lhe o rubor do brio<br />
e a acção do caldo forte.<br />
<br />
Os equídeos perplexos esperam o primeiro baptismo<br />
com a serenidade do cepticismo<br />
<br />
O estrelado sol-ovo que goteja apenas a intenção<br />
do peito da mão - mão-peito<br />
até ao primeiro serão.<br />
<br />
E a água que se evapora<br />
para alcançar a palma-mão<br />
antes do segredo da égua. <br />
<br />
O primeiro <br />
relincho da conjunção. <br />
<br />
Fernando Oliveira<br />
<br />
Tela de Júlio Santos ( Portugal )fernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-66175826596098344002010-02-22T10:06:00.001-08:002010-02-22T10:06:29.076-08:00Árvore de quatro estaçõesEm pleno convénio com a primavera<br />
se os galhos se enchem de folhas viçosas <br />
a árvore germina flores de quimera<br />
e a raiz colhe no musgo águas ditosas.<br />
<br />
No fim do verão a árvore estremece<br />
e o vento outonal que a faz mexer<br />
acaricia a folha idosa que já não tece<br />
a essência da seiva que a fez viver.<br />
<br />
Enquanto a folha tosca amarelece<br />
e se prepara para voar e falecer<br />
o fruto adulto exulta e amadurece<br />
doando ao pássaro a semente do prazer.<br />
<br />
No Inverno silvestre o solo fabrica<br />
o preparo para nova e desejada era<br />
enquanto a árvore nua pousa e fica<br />
lendo o pacto da próxima primavera. <br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-84771256487769822062010-02-21T18:41:00.000-08:002010-02-21T18:41:03.037-08:00O espelho da florSe existisse uma só - e única flor<br />
que fosse cor-de-rosa ou bem-me-quer.<br />
Vivesse unicamente - para dar amor<br />
como a margarida feita mulher. <br />
<br />
Entre o germinar e a copiosa vida.<br />
<br />
Se fosse apetecida pela sua cor<br />
do brotar do sol - até à meia-luz.<br />
No murchar argênteo - até ao rubor<br />
aromatizando a meiguice que produz.<br />
<br />
A língua gorda como o ego da orquídea.<br />
<br />
Se fosse a única flor que o sol redobra<br />
no piso árido - duma missa solitária.<br />
Choraria apenas pela água que não sobra<br />
e que não a leva à suma pia candelária.<br />
<br />
Onde casaria com a própria foz florida. <br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-87877644220379349642010-02-04T19:15:00.001-08:002010-02-04T19:15:09.811-08:00Eu e eu!...Hoje saudei-me e abracei-me<br />
duma maneira quase narcísica. <br />
Falei-me e escutei-me<br />
duma maneira quase feliz.<br />
<br />
Depois despedi-me de mim<br />
prometendo-me que voltaria.<br />
Ou se não me revisse <br />
me escreveria.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-86021420261870519942010-01-27T19:51:00.001-08:002010-01-27T19:51:24.047-08:00Toma lá e dá cá.No lugar duma gota <br />
te darei uma fonte.<br />
E se for pouco <br />
te darei um rio.<br />
<br />
No lugar da brisa <br />
te darei a causa.<br />
E se for pouco <br />
te darei o rebuliço.<br />
<br />
No lugar da faúlha <br />
te darei o aviso de fogo.<br />
E se for pouco<br />
te darei o vulcão.<br />
<br />
De ti!...<br />
<br />
Só peço a água que sobra da tua sede.<br />
O sopro da tua respiração.<br />
E uns lábios agitados faiscando paixão.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-6593936087522694602010-01-19T19:46:00.000-08:002010-01-19T19:46:31.771-08:00Inferência ao equívocoViste esposa, a saia que aquela tem<br />
A blusa que sustenta - com alça<br />
O porte que mais parece uma dança<br />
Anda p’ra mim e p’ra mais ninguém!<br />
<br />
Viste a touca que lhe cobre os cabelos<br />
O sustentáculo dos seus peitos brancos<br />
A arquitectura dos seus ombros francos<br />
Que bamboleiem como barcos rabelos.<br />
<br />
Viste nos dedos, a marca da saudade<br />
Um anel de linho que rompe dia-a-dia<br />
Uma antologia dissolvida sem piedade.<br />
<br />
Proferes que viste, porque te referia<br />
E eu tampouco descrevo a verdade<br />
A mulher que mostro, é só todavia.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-64387253800033341342010-01-16T20:43:00.000-08:002010-01-16T20:43:04.899-08:00As veias do destinoFoste tu, <br />
que te afogaste na água amável? <br />
Ou eu, <br />
já submerso que te chamei?<br />
<br />
Tu vieste; e eu estremeci.<br />
Depois<br />
nada mais soube.<br />
<br />
Talvez ainda vivas no meu espelho,<br />
talvez não tenha morrido <br />
dentro do teu.<br />
<br />
Naquela acção análoga e induzida.<br />
Uma mão que puxa<br />
uma mão que pede.<br />
<br />
Borboletas de asas azuis circunscritas <br />
olham agora o mesmo céu.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-47551289819544358832009-12-14T19:14:00.000-08:002009-12-14T19:14:10.182-08:00E da pedra!...“Não há mãe mais prolífica <br />
do que a pedra.<br />
Não há pai mais generoso<br />
do que o mar. “<br />
<br />
A areia é filha de ambos<br />
e pertence ao reino - Areal.<br />
<br />
O areeiro - é o povo mais unido da terra<br />
porque não tem pátria <br />
hino <br />
nem bandeira.<br />
<br />
Não tem pontas nem miolo.<br />
<br />
É um povo hermafrodita<br />
que respeita o pai e a mãe<br />
de tal maneira<br />
que de filhos!... <br />
<br />
Não tem filhos.<br />
<br />
Mas elege todos os filhos que saíram do mar<br />
e da pedra.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-12166963851770401362009-12-07T08:17:00.001-08:002009-12-07T08:17:49.901-08:00O peso da gravidadeApalpei a terra em todos os recantos<br />
E ela era dura.<br />
Deslizei em mares e rios<br />
E eles eram duros.<br />
Olhei para um espelho<br />
E ele era oco.<br />
Por detrás de mim<br />
Camponeses moldavam a terra<br />
Pescadores colhiam nas águas.<br />
Uma borboleta pousou nos meus ombros<br />
E ela era leve.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-58846374780303272762009-11-14T20:15:00.001-08:002009-11-14T20:15:49.620-08:00Noite estúpida(9 de Novembro de 1938)<br />
<br />
Eram tempos de vidros frágeis <br />
e de pedras fortes.<br />
<br />
O vento soprava em todas as direcções.<br />
Não era um agora robusto.<br />
<br />
A ideia pode ter brotado duma primavera<br />
desfalcada na raiz<br />
duma árvore entontecida no capricho de ventos passados.<br />
<br />
Ventos que invadiram o arpoador de vidro dos judeus. <br />
<br />
As cornetas tinham mudado de direcção<br />
e os algozes crescidos em ramalhetes indistintos<br />
jogavam xadrez com cavalos de cristal<br />
e venciam os reis de areia.<br />
<br />
Naquele hoje de espelhos artísticos<br />
e chapéus mais altos que o cume de referência.<br />
<br />
Fascistas e republicanos prendiam fulgores nos palácios dos vizinhos.<br />
Ninguém sabia qual raça exterminar. <br />
<br />
E Deus do alto da sua alegórica democracia.<br />
<br />
Não sabia aplaudir<br />
nem assobiar.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-48530519491136266232009-10-29T11:28:00.000-07:002009-10-29T11:28:00.011-07:00A sensualidade da noiteA ebriedade da noite escalda o peito<br />
no fim do dia impúdico.<br />
<br />
Flutua no ar entusiástico um inferno cobiçoso<br />
vindo directo da caldeira do astro-rei<br />
A silhueta esgueira-se felina por entre as cortinas de cetim<br />
soprando unguento de jasmim.<br />
<br />
O tempo evapora-se no porquê<br />
da dança ebúrnea e febre<br />
da sombra com pele de musselina. <br />
<br />
E assim nasce o propósito. <br />
<br />
Os peitos crescem até ao cio<br />
para amamentar as estrelas<br />
antes de caírem <br />
no estuário do quebranto.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-22334277813438176232009-10-17T20:25:00.001-07:002009-10-17T20:25:19.252-07:00SaudadeOs filamentos da saudade atravessam os tempos<br />
os espaços e as muralhas das convenções sociais.<br />
São bússolas gravadas num dó em contratempos<br />
enrolados na tirania de quietos novelos anais. <br />
<br />
São tripas que agitam o pensamento que acorda<br />
a nostalgia morta de entre o urdo dos destroços.<br />
A traslação das imagens que dum eu transborda<br />
até à latitude de então que abre brios e remorsos. <br />
<br />
É a música de outrora que por um tempo regurgita<br />
através das dimensões dum destino arquitectado<br />
nas orlas mais profundas dum juízo que se agita.<br />
<br />
E se desprende na leitura intercalar da fita<br />
enevoando a representação do existente fado <br />
com dó ou com agrado a trama remota grita.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-580742860564613612009-10-14T09:31:00.001-07:002009-10-14T09:31:29.341-07:00Águas esquivasSempre tive um mar ao lado; e não o via<br />
uma foz d’água verde que me banhava.<br />
Nunca achei no litoral que m’apresava<br />
o mergulho do oceano que não queria<br />
<br />
Equivoquei o leme da minha intuição<br />
brincando com a água como se fora um lago.<br />
Amei na areia, algum peitilho amargo<br />
extinto nas fragas dum bravo paredão<br />
<br />
E o mar que não via, crescia, anoitecia,<br />
amanhecia sempre, depois de morrer.<br />
Então que eu, ainda eu: nada percebia<br />
<br />
Nada ocorria, tudo era saldo e morria<br />
em mim, no lago; e no falso querer.<br />
Na água verde que era mar; e eu não sabia.<br />
<br />
Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3052771863123667365.post-41111965425150638132009-09-01T23:18:00.000-07:002009-09-01T23:20:24.070-07:00MetáforaEu sou Deus<br />a pátria e o montão<br />o pão e a faca.<br /><br />Eu sou a gema...<br />a síntese do universo.<br /><br />Sem mim!<br />não há cadafalsos<br />e a natureza chora no vazio.<br /><br />Eu sou a loucura do barão.<br /><br />Aquele apólogo <br />que se ideia pássaro <br />duma vida aquilina<br />e sufoca no aprumo da evolução.<br /><br />Eu sou. Por mais não poder ser!.<br />O impulso.<br />A ideia da água que se estende na terra. <br /><br />Tanta água <br />que exsudo e transudo,<br />como o vapor que sai da fonte e se abeira da areia.<br /><br />Uma areia que não crê no mar!...<br /><br />Então,<br />me abeiro da praia <br />e o cheiro do limo que me une no pé-de-vento do apego<br />da maresia.<br />Usufrui de mim e me chama.<br /><br />Me subtrai à terra<br />me inunda e me ceifa.<br /><br />Um grito selvagem ecoa no universo!...<br /><br />Morreu Deus, o montão e a pátria.<br />Fechem o capitulo da evolução.<br />Já não há dentes para o pão.<br />Cravem a faca na terra. <br /><br />Fernando Oliveirafernando oliveirahttp://www.blogger.com/profile/11528889551883257501noreply@blogger.com2